Entrevista a Javier Cercas. A Europa está a atravessar uma "depressão democrática"

O escritor espanhol Javier Cercas tem um novo livro: "O louco de Deus no fim do mundo". Uma obra sobre a viagem que fez com o Papa à Mongólia.

Cláudia Aguiar Rodrigues - Antena 1 /
Fotos: Javier Cercas - DR

Foi a primeira vez que o Vaticano abriu as portas a um escritor para que escrevesse o que quisesse e, por isso, Cercas, ateu, quis aceitar o desafio.
Desde a profunda admiração pela força da fé da mãe, passando pela importância da Igreja Católica no Ocidente e na Europa e pela "depressão democrática" que atravessa, o escritor espanhol explora nesta obra o enigma da força do invisível.

Como foi essa viagem?

Javier Cercas: Eu e ele erámos como o Sancho Pança... E ele, que é diretor da Editorial do Vaticano, disse-me: converte te, converte-te outra vez ao cristianismo. Mas não digas a ninguém, porque se o dizes não vais a vender nenhum exemplar do teu livro.

Quando passarem quatro anos, podes escrever um livro sobre a tua conversão. Esses livros vendem-se muito bem. E eu venderei quatro milhões de exemplares.

Outra motivação para escrever este livro foi o meu sentido fé. Perdão, sentido da fé de algumas pessoas. Da minha mãe, por exemplo, que era uma pessoa muito crente nos missionários, que são os loucos de Deus, deste livro.  

O sentido de vida, da força, da serenidade que a minha mãe era capaz.

Os seus romances são como cartografias da natureza humana...

Javier Cercas: Os romances nunca dizem sim ou não, dizem sim e não ao mesmo tempo. Por isso trabalham na ambiguidade, trabalham na contradição e por isso os fanáticos odeiam os romances. Porque os fanáticos só querem ouvir sim ou não. Verdade. Não querem entrar nas nuances. Os romances exploram as nunaces, exploram as contradições.

É preciso uma renovação das democracias?

Javier Cercas: as nossas democracias, hoje em dia, são muito pobres e atenção que estou a falar do lugar do mundo onde a democracia é mais sólida. Na Europa, junto com os Estados Unidos. Mas hoje a democracia nos Estados Unidos está a retroceder de maneira, às vezes, muito alarmante, muito alarmante.

A democracia na Europa é muito pobre. 

A democracia às vezes parece que consiste em votar cada dois anos. Perdão, cada quatro anos. Isto não é democracia.

A palavra democracia significa poder do povo. E necessitamos de uma democracia em que a participação dos cidadãos seja muito mais sólida, seja muito mais constante.

A sua mãe foi também uma figura central quando ponderou este desafio?

Javier Cercas: a minha mãe era muito católica. Num momento do livro escrevo que, comparada com a fé de minha mãe, a do Papa Francisco era bem mais dúbia.

Quando ela morreu, o meu pai dizia que iria reencontrar-se com ela depois da morte e não dizia isto porque minha mãe fosse uma pessoa excêntrica, ou rara, ou algo parecido. Dizia, porque isso é o centro do coração mesmo do cristianismo.

Assombrosamente, alguns cristãos parecem que se está ouvindo, mas este é o centro de cristianismo.

Dizia São Paulo que, em certo sentido, foi quem inventou o cristianismo. Não só ressuscitaremos porque Cristo ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou vã é a nossa fé.

Como não aceitar uma oportunidade assim? É uma oportunidade única que nenhum escritor tem.

A Igreja Católica seja cristã, ou seja ateu, seja crente ou o que seja, é absolutamente determinante para para o Ocidente, para a Europa. É determinante em todos os sentidos, de todos, desde todos os pontos de vista político histórico, ético, etc, etc.

Eles facilitaram-me a viagem, abriram-me as portas do Vaticano e eu podia falar com quem quisesse, perguntar o que quisesse, fazer o que quisesse. Ainda por cima, no final, escrever o que quisesse: um romance, ou um ensaio, uma crónica, o que quisesse.

E disseram-me: esperamos que isto lhe interesse, porque é a primeira vez que o Vaticano abre as portas a um escritor.
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